quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Pancreatite Aguda


Dentro da especialidade de Radiologia, a minha área de maior interesse é o abdómen, tendo por isso passado mais tempo quer na TC quer na RM. Assim, no dia 22/10/2012 durante a minha passagem pela TC Abdómen surgiu um caso de Pancreatite Aguda.


ETIOLOGIA
“A pancreatite aguda tem inúmeras causas embora não se tenham identificado os mecanismos pelos quais estas situações desencadeiam a inflamação do pâncreas”. Assim, as principais causas são (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
·       Litíase Biliar – são a causa principal, cerca de 30-60%;
·       Alcoolismo – origina cerca de 15-30%;
·       Hipertrigliceridemia – 1,3-3,8%;
·       Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (ERCP) – 5-20%;
·       Estado pós-operatório;
·       Fármacos (azatioprina, sulfamidas, entre outros) – 2-5%, sendo o mecanismo ou uma reação de hipersensibilidade ou a síntese de um metabolito tóxico;
·       Disfunção do Esfíncter de Oddi.


FISIOPATOLOGIA
De uma forma genérica, a pancreatite é uma doença que surge e evoluciona em três fases (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
1.     Fase Inicial - caracteriza-se pela ativação intrapancreática das enzimas digestivas e pela lesão das células acinares;
2.   Fase Intermédia -  compreende a ativação, quimiotaxia de neutrófilos, originando deste modo uma reação inflamatória intrapancreática de intensa variabilidade;
3.  Fase Final – efeitos sistémicos devido à libertação de enzimas proteolíticas e mediadores ativados pelo pâncreas inflamado. Estas enzimas, nomeadamente a tripsina, para além de digerirem os tecidos pancreáticos e peripancreáticos, também ativam outras enzimas como a elastasa e fosfolipasa. Como consequência desta digestão, surge edema, hemorragia intersticial, dano vascular, necrose coagulativa. Outros efeitos são um aumento da permeabilidade vascular e edema, com múltiplas lesões noutros órgãos, particularmente o pulmão.     

A evolução da pancreatite é influenciada pela existência ou não de factores genéticos, que podem aumentar a susceptibilidade ou alterar a gravidade de uma lesão (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
·       Mutações do tripsinogénio catiónico;
·       Inibidor da tripsina secretora pancreática;
·       Regulador da condução transmembrana da fibrose cística;
·       Proteína quimiotáxica dos monócitos.


QUADRO CLÍNICO
“A dor abdominal é o sintoma principal da pancreatite aguda”. Esta pode variar desde uma pequena dor leve e tolerável até a uma dor intensa, constante e até mesmo incapacitante. Caracteristicamente, a dor constante localiza-se no epigástrio e na região periumbilical podendo irradiar-se para a omoplata, tórax, flancos e região infra-abdominal. A dor intensifica-se quando o paciente está em decúbito supino e diminui quando o paciente está sentado com o tronco flexionado. Outros sintomas possíveis são as náuseas, vómitos e distensão abdominal (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
“Em 10-20% dos pacientes apresentam sinais pulmonares como estertores basais, atelectasias e derrame pleural. Além disso, os ruídos intestinais podem estar diminuídos ou ausentes” (Fauci et al, Harrison, 17º edição).  


DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de pancreatite aguda é normalmente colocado como hipótese quando o paciente apresenta uma dor abdominal persistente e intensa, náuseas, vómitos, febre, taquicardia e alterações abdominais ao exame físico (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
“O diagnóstico da pancreatite aguda confirma-se pela detecção do aumento das concentrações séricas da amílase. Valores três ou mais vezes superiores acima do normal, praticamente asseguram o diagnóstico quando excluídas patologias das glândulas salivares ou perfuração intestinal”. Todavia, tais valores não estabelecem uma relação com gravidade da pancreatite, uma vez que passado 48-72h, a amílase sérica tende a normalizar-se (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
O diagnóstico diferencial faz-se com os seguintes transtornos (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
·       Perfuração de víscera como pode ser na úlcera péptica;
·       Colecistite aguda e cólica biliar;
·       Obstrução intestinal aguda;
·       Oclusão mesentérica vascular;
·       Cólica renal;
·       Enfarto do miocárdio;
·       Aneurisma dissecante da aorta;
·       Patologias do tecido conjuntivo com vasculite;
·       Pneumonia;
·       Cetoacidose diabética.

  
IMAGIOLOGIA

De acordo com a imagiologia podemos classificar a pancreatite aguda (Besselink, et. al., 2007):
·       Pancreatite Edematosa ou Intersticial (A)
o   Microcirculação intacta – realce homogéneo do pâncreas;
·       Pancreatite Necrosante (B)
o   Disrupção da microcirculação – ausência de realce das áreas necróticas.

As alterações pancreáticas dependem da extensão e intensidade do processo inflamatório local. Por outro lado, os achados radiológicos (TC) são dependentes do tempo de evolução (Besselink, et. al., 2007):
·       1º 48h – exame normal; subestimar a extensão da necrose. De realçar que o exame precoce normal não exclui o diagnóstico de gravidade da pancreatite aguda;
·       > 5º dia – exame normal ou alterações pancreáticas ou peri-pancreáticas mínimas excluem a forma severa de pancreatite aguda.

Em 1990, Balthazar et al. elaboraram um “sistema de avaliação da gravidade com base radiológica (TC) que tem excelente correlação com gravidade clínica, morbilidade e mortalidade” (Besselink, et. al., 2007).




Ecografia
Como exame complementar de diagnóstico é amplamente utilizado como exame de 1º linha pois permite (Besselink, et. al., 2007):
·       Detecção de litíase vesicular (etiologia);
·       Avaliação das vias biliares;
·       Estudo Doppler: avaliar estruturas vasculares;
·       Caracterizar coleções pancreáticas (líquidas/conteúdo necrótico);
·       Orientar intervenções terapêuticas ou diagnósticas.
Mais especificamente, ao exame de pancreatite aguda podemos observar (Besselink, et. al., 2007):
·       Forma ligeira – achados normais;
·       Aumento das dimensões do pâncreas, de forma difusa ou local;
·       Textura heterogénea ou diminuição da ecogenicidade (edema).
Por fim e como qualquer outro exame apresenta as suas limitações no que refere à própria avaliação da gravidade na pancreatite aguda. Neste caso, não permite a detecção de necrose pancreática para além de que o pâncreas é uma estrutura por si só difícil de visualizar com esta técnica (Besselink, et. al., 2007).



Tomografia Computorizada
É o principal método de imagem no diagnóstico de pancreatite aguda e avaliação da gravidade, no seguimento e monitorização de complicações pancreáticas e extra-pancreáticas (complicações vasculares, renais, esplénicas e gastrointestinais). As suas limitações residem na detecção da litíase vesicular, caracterização do conteúdo das coleções líquidas e a exposição ionizante (Besselink, et. al., 2007).
Assim, podemos ter os seguintes achados de acordo com a severidade da pancreatite aguda (Besselink, et. al., 2007):
·       Pancreatite Ligeira
o   Achados normais;
o   Aumento difuso ou focal das dimensões do pâncreas;
o   Realce normal do parênquima pancreático;
o   Densificação da gordura peri-pancreática.
·       Pancreatite Severa
o   Necrose pancreática e coleções líquidas agudas peri-pancreáticas.



Ressonância Magnética
Este exame permite detectar a presença e a extensão da necrose pancreática e das coleções peri-pancreáticas, de forma semelhante à TC. Além disso, vários autores salientam o valor da RM na avaliação das coleções líquidas (Besselink, et. al., 2007).
Assim, pode-se observar (Besselink, et. al., 2007):
·       Aumento das dimensões do pâncreas;
·       Áreas de edema do parênquima ou hemorragia;
·       Coleções líquidas peri-pancreáticas. 



BIBLIOGRAFIA

  • Fauci et al, Harrison – Medicina Interna, 17ª Edição;
  • BESSELINK, M. G. H.; BOLLEN, T. L.; VAN SANTVOORT, H. C.; VAN ES, W. H.; GOOSZEN, H. G.; VAN LEEUWEN, M. S. (Outubro 2007), Update on Acute Pancreatitis: Ultrasound, Computed Tomography, and Magnetic Resonance Imaging Features. Seminars in Ultrasound, CT and MRI, 28:371-383







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