Dentro da especialidade de Radiologia, a minha área de
maior interesse é o abdómen, tendo por isso passado mais tempo quer na TC quer
na RM. Assim, no dia 22/10/2012 durante a minha passagem pela TC Abdómen surgiu
um caso de Pancreatite Aguda.
“A pancreatite
aguda tem inúmeras causas embora não se tenham identificado os mecanismos pelos
quais estas situações desencadeiam a inflamação do pâncreas”. Assim, as
principais causas são (Fauci et al,
Harrison, 17º edição):
· Litíase Biliar –
são a causa principal, cerca de 30-60%;
· Alcoolismo –
origina cerca de 15-30%;
· Hipertrigliceridemia
– 1,3-3,8%;
· Colangiopancreatografia
Retrógrada Endoscópica (ERCP) – 5-20%;
· Estado
pós-operatório;
· Fármacos
(azatioprina, sulfamidas, entre outros) – 2-5%, sendo o mecanismo ou uma reação
de hipersensibilidade ou a síntese de um metabolito tóxico;
·
Disfunção do Esfíncter de Oddi.
FISIOPATOLOGIA
De uma forma genérica, a pancreatite é uma doença que
surge e evoluciona em três fases (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
1. Fase Inicial - caracteriza-se pela ativação
intrapancreática das enzimas digestivas e pela lesão das células acinares;
2. Fase Intermédia - compreende a ativação, quimiotaxia de
neutrófilos, originando deste modo uma reação inflamatória intrapancreática de
intensa variabilidade;
3. Fase Final – efeitos sistémicos devido à libertação de
enzimas proteolíticas e mediadores ativados pelo pâncreas inflamado. Estas
enzimas, nomeadamente a tripsina, para além de digerirem os tecidos
pancreáticos e peripancreáticos, também ativam outras enzimas como a elastasa e
fosfolipasa. Como consequência desta digestão, surge edema, hemorragia
intersticial, dano vascular, necrose coagulativa. Outros efeitos são um aumento
da permeabilidade vascular e edema, com múltiplas lesões noutros órgãos,
particularmente o pulmão.
A evolução da pancreatite é influenciada pela
existência ou não de factores genéticos, que podem aumentar a susceptibilidade
ou alterar a gravidade de uma lesão (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
· Mutações do
tripsinogénio catiónico;
· Inibidor da
tripsina secretora pancreática;
· Regulador da
condução transmembrana da fibrose cística;
·
Proteína quimiotáxica dos monócitos.
QUADRO CLÍNICO
“A dor abdominal é
o sintoma principal da pancreatite aguda”. Esta pode variar desde uma pequena
dor leve e tolerável até a uma dor intensa, constante e até mesmo
incapacitante. Caracteristicamente, a dor constante localiza-se no epigástrio e
na região periumbilical podendo irradiar-se para a omoplata, tórax, flancos e
região infra-abdominal. A dor intensifica-se quando o paciente está em decúbito
supino e diminui quando o paciente está sentado com o tronco flexionado. Outros
sintomas possíveis são as náuseas, vómitos e distensão abdominal (Fauci et al,
Harrison, 17º edição).
“Em 10-20% dos
pacientes apresentam sinais pulmonares como estertores basais, atelectasias e
derrame pleural. Além disso, os ruídos intestinais podem estar diminuídos ou
ausentes” (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de pancreatite aguda é normalmente
colocado como hipótese quando o paciente apresenta uma dor abdominal
persistente e intensa, náuseas, vómitos, febre, taquicardia e alterações
abdominais ao exame físico (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
“O diagnóstico da
pancreatite aguda confirma-se pela detecção do aumento das concentrações
séricas da amílase. Valores três ou mais vezes superiores acima do normal,
praticamente asseguram o diagnóstico quando excluídas patologias das glândulas
salivares ou perfuração intestinal”. Todavia, tais valores não estabelecem uma
relação com gravidade da pancreatite, uma vez que passado 48-72h, a amílase sérica
tende a normalizar-se (Fauci et al,
Harrison, 17º edição).
O diagnóstico diferencial faz-se com os seguintes
transtornos (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
· Perfuração de
víscera como pode ser na úlcera péptica;
· Colecistite aguda e
cólica biliar;
· Obstrução
intestinal aguda;
· Oclusão mesentérica
vascular;
· Cólica renal;
· Enfarto do miocárdio;
· Aneurisma dissecante
da aorta;
· Patologias do
tecido conjuntivo com vasculite;
· Pneumonia;
·
Cetoacidose diabética.
IMAGIOLOGIA
· Pancreatite
Edematosa ou Intersticial (A)
o
Microcirculação intacta – realce homogéneo do pâncreas;
· Pancreatite
Necrosante (B)
o
Disrupção da microcirculação – ausência de realce das áreas
necróticas.
As alterações pancreáticas dependem da extensão e
intensidade do processo inflamatório local. Por outro lado, os achados
radiológicos (TC) são dependentes do tempo de evolução (Besselink, et. al., 2007):
· 1º 48h – exame
normal; subestimar a extensão da necrose. De realçar que o exame precoce normal
não exclui o diagnóstico de gravidade da pancreatite aguda;
·
> 5º dia – exame normal ou alterações pancreáticas ou
peri-pancreáticas mínimas excluem a forma severa de pancreatite aguda.
Em 1990, Balthazar
et al. elaboraram um “sistema de avaliação
da gravidade com base radiológica (TC) que tem excelente correlação com
gravidade clínica, morbilidade e mortalidade” (Besselink, et. al., 2007).
Ecografia
Como exame complementar de diagnóstico é amplamente
utilizado como exame de 1º linha pois permite (Besselink, et. al., 2007):
· Detecção de litíase vesicular
(etiologia);
· Avaliação das vias biliares;
· Estudo Doppler: avaliar
estruturas vasculares;
· Caracterizar coleções
pancreáticas (líquidas/conteúdo necrótico);
·
Orientar intervenções terapêuticas ou diagnósticas.
Mais especificamente, ao exame de pancreatite aguda podemos
observar (Besselink, et. al., 2007):
· Forma ligeira –
achados normais;
· Aumento das
dimensões do pâncreas, de forma difusa ou local;
·
Textura heterogénea ou diminuição da ecogenicidade (edema).
Por fim e como qualquer outro exame apresenta as suas
limitações no que refere à própria avaliação da
gravidade na pancreatite aguda. Neste caso, não permite a detecção de necrose
pancreática para além de que o pâncreas é uma estrutura por si só difícil de
visualizar com esta técnica (Besselink, et. al., 2007).
Tomografia Computorizada
É o principal método de imagem no diagnóstico de
pancreatite aguda e avaliação da gravidade, no seguimento e monitorização de
complicações pancreáticas e extra-pancreáticas (complicações vasculares,
renais, esplénicas e gastrointestinais). As suas limitações residem na detecção
da litíase vesicular, caracterização do conteúdo das coleções líquidas e a
exposição ionizante (Besselink, et. al., 2007).
Assim, podemos ter os seguintes achados de acordo com a severidade
da pancreatite aguda (Besselink, et. al., 2007):
· Pancreatite Ligeira
o
Achados normais;
o
Aumento difuso ou focal das dimensões do pâncreas;
o
Realce normal do parênquima pancreático;
o
Densificação da gordura peri-pancreática.
· Pancreatite Severa
o
Necrose pancreática e coleções líquidas agudas peri-pancreáticas.
Ressonância Magnética
Este exame permite detectar a presença e a extensão da
necrose pancreática e das coleções peri-pancreáticas, de forma semelhante à TC.
Além disso, vários autores salientam o valor da RM na avaliação das coleções líquidas
(Besselink,
et. al., 2007).
Assim, pode-se observar (Besselink, et. al., 2007):
· Aumento das
dimensões do pâncreas;
· Áreas de edema do parênquima
ou hemorragia;
·
Coleções líquidas peri-pancreáticas.
BIBLIOGRAFIA
- Fauci et al, Harrison – Medicina Interna, 17ª Edição;
- BESSELINK, M. G. H.; BOLLEN, T. L.; VAN SANTVOORT, H. C.; VAN ES, W. H.; GOOSZEN, H. G.; VAN LEEUWEN, M. S. (Outubro 2007), Update on Acute Pancreatitis: Ultrasound, Computed Tomography, and Magnetic Resonance Imaging Features. Seminars in Ultrasound, CT and MRI, 28:371-383
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