Na aula de Radiologia do Aparelho Digestivo Superior
(esófago, estômago e duodeno), dia 15/10/2012, foi abordado numa das imagens
visualizadas a Doença de Chagas. Ora, uma vez que sou portuguesa achei por bem
aprofundar um pouco mais esta patologia que foi descoberta no Brasil, em 1907
por Carlos Chagas.
“A doença de Chagas
constitui uma enfermidade causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, cuja
transmissão se processa por meio de insetos hematófagos (triatomíneos)” (Carvalho et. al., 2002).
É assim transmitida
pelas fezes eliminadas durante a picada dos vetores contaminados pelos Trypanosoma cruzi, usualmente conhecido
como barbeiros, devido à preferência
pela região do rosto. Pode ainda ocorrer a transmissão por transfusão de sangue
ou transplacentária que constituem os casos de infecção congénita (Fauci et al,
Harrison, 17º edição).
EPIDEMIOLOGIA
A doença de Chagas
afecta anualmente cerca de 8 a 10 milhões de pessoas, centrando-se nos países
américo-latinos endémicos como o Brasil, onde a patologia, foi descoberta, como
referido anteriormente (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
Atinge particularmente as populações rurais, cujas
casas são feitas de madeira onde o parasita se aloja, constituindo deste modo
um problema de saúde pública (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
Nos últimos anos, registou-se uma queda no índice de
transmissão graças à implementação de programas de erradicação de vectores,
substituição de habitações bem como a sensibilização da população. O Brasil
declarou a eliminação da transmissão em 2006 (Fauci et al, Harrison, 17º
edição).
EVOLUÇÃO CLÍNICA
1. Fase Aguda ou Infecção Aguda
Apresenta uma duração
de aproximadamente de 60 dias.
Os primeiros sinais surgem, normalmente, após uma
semana da invasão do parasita. Assim, visualiza-se uma ligeira laceração da
pele, denominada chagoma, com eritema e edema, acompanhado de linfadenopatia
local. Se a picada for perto do olho, é frequente a existência de conjuntivite
com edema da pálpebra também conhecido como sinal de Romana. Secundariamente, pode surgir uma sensação de mal
estar, febre, anorexia bem como edema facial e nos membros inferiores,
linfadenopatias generalizadas e hepatoesplenomegalia. Todavia, esta fase pode
passar despercebida, uma vez que os seus sintomas confundem-se com outras
diversas infecções (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
2. Fase de Latência ou Indeterminada
Não apresenta nenhuma sintomatologia relevante sob o
ponto de vista clínico e pode permanecer durante vários anos. Muitos pacientes
nesta fase desconhecem a sua condição de portador, transmitindo a infecção por
diversos mecanismos. Além disso, o parasita continua a reproduzir-se que irá
ter implicações em diversos órgãos numa fase crónica.
3. Fase Crónica
A doença de Chagas crónica sintomática surge anos após
a infecção inicial, identificando-se os seguintes sintomas / alterações nos
seguintes órgãos (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
· Coração: comprometimento cardíaco em 30% dos casos
(miocardite grave), alterações do ritmo e tromboembolias com consequente
cardiomegalia;
· Trato Digestivo: “alterações
de motilidade do esófago e do cólon, resultando em megaesófago e megacólon
endêmicos. Verifica-se aumento do diâmetro das vísceras ocas em proporção ao
estádio evolutivo da afecção”. Estas transformações resultam da “destruição de células neurais do plexo
mioentérico do tubo digestivo, causando distúrbios de motilidade, acalásia do
esfíncter esofagiano inferior e do complexo muscular esfincteriano anal.
Disfagia, regurgitação, dor esofagiana espontânea, odinofagia, pirose,
obstipação intestinal, desnutrição, sialose com hipertrofia das glândulas
salivares e manifestações pulmonares” são as apresentações clínicas mais
frequentes relacionadas com o megaesôfago
(Carvalho et. al., 2002);
· Cérebro: frequentemente formação de granulomas;
·
Demência: 3% dos casos.
DIAGNÓSTICO
“O diagnóstico
baseia-se em exames clínico-laboratoriais e radiológicos” (Carvalho et. al.,
2002).
Os exames laboratoriais procuram sobretudo
detectar e isolar o parasita no organismo humano. Como tal, recorre-se a
hemoculturas, xenodiagnóstico (paciente é intencionalmente picado pelo parasita
não contaminado), detecção do DNA do parasita através da técnica de PCR bem
como a detecção de anticorpos no sangue, entre outros mais complexos (Fauci et
al, Harrison, 17º edição).
Por outro lado, “os
exames radiológicos baseiam-se
predominantemente nas chamadas “megaformações”” (Carvalho et. al., 2002).
ACHADOS RADIOLÓGICOS
O exame radiológico constitui o método mais importante,
sendo necessária avaliação dinâmica por meio de intensificador de imagem para
ideal configuração norfo-funcional (Carvalho et. al., 2002).
Podemos ter diversos achados radiológicos de acordo com
a localização anatómica da lesão. Serão apenas abordados os pontos 1, 2 e 3
pois foram as estruturas tratadas na aula (Carvalho et. al., 2002):
1.
Esofagopatia Chagásica;
2.
Gastropatia Chagásica;
3.
Duodenopatia Chagásica;
4.
Enteropatia Chagásica;
5.
Colopatia Chagásica.
1.
Esofagopatia
Chagásica
Os diferentes padrões de apresentação morfológica
levaram diversos autores a propor uma classificação baseada no estudo
radiológico. Surge assim, a Classificação
de Rezende, subdividida em 4 grupos (I, II, III e IV) (Carvalho et. al.,
2002):
ü Grupo 0 (OMS) – casos assintomáticos e sem retenção
esofagiana ao estudo radiológico, nos quais existe certo grau de desnervação
demonstrável por testes farmacológicos;
ü Grupo I – esófago de calibre aparentemente normal ao
exame radiológico (< 3,2 cm). Transito lento. Pequena retenção na
radiografia tomada um minuto após a ingestão de sulfato de bário. Presença de
ar acima da coluna de bário associada a lúmen completamente aberto – “prova de
retenção positiva”;
ü Grupo II – esófago com pequeno a moderado aumento do
calibre. Apreciável retenção do contraste. Presença frequente de ondas
terciárias, associadas ou não a hipertonia do esófago;
ü Grupo
III – esófago com grande aumento do calibre. Atividade motora reduzida. Hipotonia
do esófago inferior. Grande retenção do contraste;
ü Grupo IV – dolicomegaesófago. Esófago com grande
capacidade de retenção, atónico, alongado, dobrando-se sobre a cúpula
diafragmática.
Uma das imagens mais características desta patologia, sendo uma das imagens apresentadas na aula é a acalásia esofágica, no segmento distal usualmente denominada por “cauda de rato” ou “bico de pássaro”. A sua denominação advém do afilamento cônico e simétrico deste segmentado quando observado com o meio de contraste (Carvalho et. al., 2002).
De realçar que, “a
aparência de um megaesófago avançado em radiogramas simples do tórax ou com a
ingestão de bário é consideravelmente similar à acalásia idiopática. Em ambas
as entidades o esófago aparece como uma densidade de partes moles vertical
localizada ao longo de toda a borda paramediastinal direita, em incidências
frontais. Um achado usual no abdómen superior é uma bolha gástrica reduzida ou
ausente, determinada pela escassa passagem de ar através da zona acalásica
esofagiana” (Carvalho et. al., 2002).
2. Gastropatia Chagásica
Fonseca e Toledo descreveram as seguintes alterações de
forma, tono e motricidade gástrica (Carvalho et. al., 2002):
ü Hipotonia;
ü Hipoperistaltismo;
ü Megagastria
(dilatação);
ü Esvaziamento
retardado – o ritmo inicialmente na Gastropatia, encontra-se acelerado, todavia
nos casos crónicos está geralmente retardado;
ü Estômago em
“cascata”.
3.
Duodenopatia
Chagásica
O duodeno pode apresentar, eventualmente, as seguintes
alterações (Carvalho et. al., 2002):
ü Hipotonia;
ü Diminuição do
peristaltismo;
ü Transito retardado;
ü Estase;
ü Aumento do calibre;
ü Espessamente das
pregas mucosas;
ü Megaduodeno por
alterações da motricidade e estase alimentar que levam à dilatação do arco
duodenal. Esta pode ser restrita apenas ao bulbo ou por outro lado abranger
todo o órgão.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
De acordo com os diferentes aspectos
clínico-laboratoriais e epidemiológicos podem surgir dúvidas quanto ao correto
diagnóstico da doença de Chagas.
Assim, os principais diagnósticos diferenciais no esófago são (Carvalho et. al., 2002):
ü
Presbiesófago;
ü
Esclerose
Sistêmica;
ü
Tumor de fundo
gástrico;
ü
Estenose de cárdia;
ü
Hérnia hiatal;
ü
Esofagite por
refluxo;
ü
Compressão
extrínseca;
ü Uso de drogas anticolinérgicas.
Quanto às causas de
megagastria destacam-se (Carvalho et. al.,
2002):
ü
Estenose péptica
antral ou bulbar;
ü
Carcinoma antral;
ü
Atonia gástrica;
ü Obstruções em duodeno proximal.
Por fim, o
diagnóstico diferencial da duodenopatia
é feito com as obstruções de causas orgânicas em nível do ângulo de Treitz, com
o pinçamento aórtico-mesentérico e com o megaduodeno funcional de outras
etiologias (Carvalho et. al., 2002).
CONCLUSÃO
Como foi descrito existem inúmeras formas e padrões
radiológicos possíveis para a apresentação da Doença de Chagas que devem ser
devidamente reconhecidas para o seu correto diagnóstico, sobretudo no Brasil
onde a doença ainda apresenta alguma prevalência nas zonas rurais.
BIBLIOGRAFIA
ü Fauci et al,
Harrison – Medicina Interna, 17ª Edição;
ü
CARVALHO, T. N.; FIGUEIRÊDO,
S. S.; DA NÓBREGA, B. B., DE SOUZA RIBEIRO, F. A., TEIXEIRA, K. S., XIMENES, C.
A. (Setembro / Outubro 2002), Caracterização Radiográfica das Manifestações
Esofagogastrointestinais da Doença de Chagas. Radiologia Brasileira, 35 (5): 293-297.
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