segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Adrenomieloneuropatia


Aproveitando a minha passagem pela RM Neuro, no dia 17/10/2012, surgiu um caso de uma patologia rara, hereditária chamada Adrenomieloneuropatia. Assim, decidi escolher este tema a abordar.

Adrenomieloneuropatia (AMN) é uma variante da adrenoleucodistrofia (ALD), doenças hereditárias raras ligadas ao cromossoma X” (Khandwala, et. al., 2004). O termo de ALD foi sugerido primeiramente nos anos 70 e em 1976 foi reportado o primeiro caso de AMN (Assies, et. al., 1997).

“A Adrenoleucodistrofia (ALD) é uma doença hereditária, ligada ao cromossoma X, do metabolismo peroxissomal, bioquimicamente caracterizada pela acumulação de ácidos graxos de cadeia muito longa”. Este depósito provoca significativas alterações no sistema nervoso central e periférico, ao nível da desmielinização, bem como o desenvolvimento de uma insuficiência suprarrenal e hipogonadismo (Assies, et. al., 1997). “A frequência de X-ALD ou X-AMN nos indivíduos do sexo masculino nos EUA é de 1:42 000” (Khandwala, et. al., 2004).
Em termos gerais, a ALD manifesta-se numa idade mais jovem, afectando sobretudo o cérebro enquanto que a AMN surge numa idade mais avançada, envolvendo mais a medula espinhal, como irá ser comentado futuramente (Khandwala, et. al., 2004).


PATOGENIA
Quer a ALD quer a AMN são distúrbios dos peroxissomas, organelos intracelulares, que integram em múltiplos mecanismos, um dos quais, o metabolismo dos ácidos graxos. Neste participam especificamente, na oxidação de ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFAs) em Acetil-CoA. Ora, os pacientes com uma destas patologias não produzem a enzima Acetil-CoA sintetase, o que leva à acumulação de ácidos graxos de cadeia muito longa. Como consequência, “há formação de inclusões citoplasmáticas levando deste modo a uma disfunção progressiva do sistema nervoso central, glândulas suprarrenais e testículos, uma vez que são locais do metabolismo dos VLCFAs” (Khandwala, et. al., 2004).
“Nas variantes cerebrais da ALD, é também visto uma resposta inflamatória, que será, provavelmente a causa do dano da mielina observado. Patologicamente, estes distúrbios caracterizam-se pela presença laminar de inclusões citoplasmáticas constituídas por colesterol esterificado com VLCFAs” (Khandwala, et. al., 2004).
Ambas patologias, ALD e AMN, como anteriormente referido, são transmitidas ligadas ao cromossoma X. O gene localiza-se no braço longo do cromossoma X (Xq28), que codifica uma “proteína da membrana peroxissomal pertencente à adenosina trifosfato da superfamília de proteínas transportadoras”. Além disso, foram   já identificados múltiplas formas de mutação como deleções, mutações sem-sentido, deleções simples, entre outras (Khandwala, et. al., 2004).

APRESENTAÇÃO CLÍNICA
“Vários fenótipos podem ser distinguidos de acordo com a apresentação clínica e as suas manifestações” (Kim & Kim, 2005), inclusive dentro de uma mesma família podemos ter presente uma variabilidade fenotípica. Os dois fenótipos mais frequentes são a ALD forma cerebral da infância e AMN com uma incidência de 45% e 25% dos casos respectivamente (Khandwala, et. al., 2004).
Classicamente, podemos caracterizar a ALD forma cerebral da infância por uma desmielinização cerebral rapidamente progressiva levando a tetraparesia espástica, demência e uma disfunção visual e auditiva (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
 


Por outro lado, genericamente a AMN é considerada como uma forma mais leve da ALD e também com uma progressão mais lenta. Os sintomas neurológicos aparecem sobretudo, entre a 3ª e 4º década de vida. Caracterizam-se sobretudo pelo “envolvimento dos tratos ascendentes e descendentes longos da medula espinhal e pela neuropatia periférica devido à desmielinização. Surge assim, parestesia espástica e urinária bem como a disfunção eréctil” (Khandwala, et. al., 2004). 
1º pico - ALD formas cerebrais
                Menores picos - AMN


1º curva - AMN
              3º curva - ALD cerebral da infância


Cerca de “2/3 dos pacientes do sexo masculino têm uma manifestação clínica ou subclínica de insuficiência suprarrenal e uma significativa proporção tem associado uma disfunção gonadal (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
 Aproximadamente cerca de 50% dos heterozigóticos do sexo feminino apresentam sintomas neurológicos e 80% têm os valores de VLCFAs elevados. Para além disso, os sintomas neurológicos surgem mais tarde sendo mais leves, quando comparadas com os heterozigóticos masculinos. Estes consistem sobretudo em leves sinais piramidais e incontinência urinária (Khandwala, et. al., 2004).


DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de ALD e AMN pode ser estabelecido medindo os níveis absolutos dos VLCFAs. No entanto, é de realçar que “não há associação entre os níveis absolutos VLCFAs e o grau de disfunção suprarrenal ou neurológica” (Khandwala, et. al., 2004).
Assim, para avaliar o nível de insuficiência suprarrenal e gonadal são pedidos (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
·       Níveis de cortisol e ACTH;
·       Teste de estimulação de ACTH;
·       Medição da testosterona;
·       Medição dos níveis de gonadotrofinas
“A ressonância magnética (RM) tornou-se essencial para avaliar quer o inicio do quadro clínico quer a sua evolução. A RN permite assim detetar precocemente lesões no sistema nervoso central e periférico” bem como distinguir os diferentes fenótipos e com isso fazer o diagnóstico diferencial (Kim & Kim, 2005).
“Até 50% dos indivíduos do sexo masculino com AMN apresentam evidências radiológicas da desmielinização cerebral na ressonância magnética (RM)” (Khandwala, et. al., 2004). Podemos observar na RM:
          1. Sem achados cerebrais (55%) – AMN “Pura”: Atrofia da medula espinhal;


     

2. AMN com envolvimento cerebral – Degeneração do Tratos Longos; Envolvimento bilateral do trato corticoespinhal;




Um outro exame possível para o diagnóstico, é a análise do DNA e exames pré-natais para pesquisa de mutações (Khandwala, et. al., 2004).
Estudos demostraram que “até 35% dos pacientes com uma insuficiência suprarrenal idiopática têm elevados níveis de VLCFAs e podem, mais tarde, experimentar sintomas neurológicos”. Daí, torna-se essencial medir os níveis de VLCFAs a todos esses pacientes, sobretudo se são do sexo masculino, uma vez que esta simples medição pode precocemente fazer o diagnóstico, permitindo uma intervenção e retardar o aparecimento de outros sintomas (sintomas neurológicos) (Khandwala, et. al., 2004).
Em suma, “a medição dos níveis plasmáticos de VLCFAs constitui o teste de rastreio essencial de escolha, seguida pela análise genética” (Khandwala, et. al., 2004).

TRATAMENTO
O tratamento de doentes com AMN é limitado e é dirigido de acordo com a sintomatologia apresentada pelos pacientes. Assim existem três grandes áreas de atuação (Khandwala, et. al., 2004):
·  Terapia de Substituição Hormonal para a insuficiência suprarrenal e/ou hipogonadismo que apresenta óptimos resultados;
·       Instituição de uma dieta com baixo teor de gordura de forma a diminuir as fontes exógenas de VLCFAs. Todavia, esta ao longo do tempo têm-se mostrado ineficaz na retardo da evolução da doença. Assim, surgiu um novo tratamento que resulta da administração de monoácidos graxos insaturados. Estes competem com os saturados e como resultado diminuem os níveis de VLCFAs. Assim, a combinação da restrição dietética e a administração do Óleo de Lorenzo, (trioleato de glicerilo) tem produzido significativas reduções dos níveis plasmáticos de VLCFAs. O principal efeito colateral deste óleo é a trombocitopenia que ocorre em 40% dos pacientes;
·    Por fim, o único tratamento possível para reduzir os sintomas neurológicos é o transplante de medula óssea. Este deve ser realizado o mais precocemente possível, idealmente nos estágios iniciais da doença.





BIBLIOGRAFIA
  • ·       Fauci et al, Harrison – Medicina Interna, 17ª Edição;
  • ·     ASSIES, J.; BARTH, P. G.; VAN GEEL, B. M.; WANDERS, R. J. A.; X (Fevereiro 1997), Linked Adrenoleukodystrophy: Clinical Presentation, Diagnosis, and Therapy. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry, 63:4-14
  •   KHANDWALA, H. M.; SPUREK, M.; VAN UUM, S.; GJEVRE, R. T. (Outubro 2004), Adrenomyeloneuropathy as a Cause of Primary Adrenal Insuffiency and Spastic Paraparesis. Canadian Medical Association or its Licensors, 171(9);
  •     KIM, J. H.; KIM, H. J. (Maio / Junho 2005), Childhood X-linked Adrenoleukodystrophy: Clinical-Pathologic Overview and MR Imaging Manifestations at Initial Evaluation and Follow-up. Radiographics, Vol 25 Nº3;


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