Na passagem pela TC de tórax no dia 16/10/2012, uma das imagens que mais me suscitou interesse foi a presença de um nódulo no lobo inferior direito compatível com um hamartoma. Assim, decidi pesquisar na literatura esta patologia.
“O Hamartoma é uma neoplasia benigna constituída por uma variedade de elementos de tecido normal ou por uma proporção anormal de um simples elemento presente de um órgão” (Fauci et al, Harrison, 17º edição) tendo sido rotulado primeiramente por Albrecht em 1904 (Carvalho & Matos, 2002).
O Hamartoma Pulmonar foi referenciado pela primeira vez em 1934 por Goldsworthy. Pode ser definido como uma “neoformação composta por cartilagem, tecido adiposo, músculo liso e epitélio respiratório de forma desorganizada, representando até 5% dos nódulos solitários pulmonares”. Além disso, é o tumor benigno do pulmão mais frequente (77%) com uma incidência de cerca de 3% na população geral. Com um pico de incidência na 6º década de vida, afecta mais frequentemente indivíduos do sexo masculino, numa proporção de 2-4H:1M (Carvalho & Matos, 2002).
CLASSIFICAÇÃO
O Hamartoma Pulmonar pode usualmente dividir-se em dois tipos (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
1. Hamartomas Periféricos ou Parenquimatosos;
2. Hamartomas Centrais ou Endobrônquicos.
1. Hamartomas Periféricos ou Parenquimatosos
Representam cerca de 85-90%, sendo por isso mais frequente, com uma localização intra-parenquimatosa. Caracteristicamente, apresentam-se como um nódulo solitário do pulmão com um diâmetro entre 2-3 cm. Podem frequentemente surgir como “massas subpleurais com limites bem circunscritos que podem apresentar calcificações ou, mais esporadicamente, gordura” (Almeida, et. al, 2007). Um exemplo de lesões pulmonares múltiplas é a Tríade de Carney, “um síndrome bastante raro caracterizado por condromas pulmonares, leiomioblastomas epiteloides gástricos e paragangliomas funcionais extra-adrenais” (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
Tríade de Carney |
Com um crescimento lento, mais ou menos 15mm/ano, e um tempo de duplicação prolongado (até 14 anos), são frequentemente assintomáticos e descobertos como achados radiológicos torácicos (Almeida, et. al., 2007). O seu padrão mais típico é a calcificação em “pipoca” em 10-15% dos casos, que constitui um “sinal patognomónico para esta lesão” (Fauci et al, Harrison, 17º edição). Adicionalmente, existem diversos tipos de padrões de calcificação como a “pipoca” irregular, padrão pontilhado ou curvilíneo ou inclusivamente uma combinação de todos os padrões. Não foi até agora demonstrado nenhuma predominância das lesões por um lobo pulmonar e a cavitação é extremamente rara (Khan, et. al., 2011).
Calcificação em "pipoca" |
“Representam cerca de 10-15% do total e surgem sob a forma de lesão polipoide”, podendo ser sintomáticos devido à obstrução e irritação das vias aéreas. A sintomatologia descrita pelos pacientes é de “dispneia, sibilos, tosse ou pequenas hemoptises. A obstrução do brônquio pelo hamartoma pode também levar a pneumonia recorrente no mesmo local” (Almeida, et. al., 2007).
Nos achados radiológicos podem identificar-se (Almeida, et. al., 2007):
· Perda de volume como atelectasia ou colapso lobar completo;
· Consolidação do parênquima por pneumonia obstrutiva.
A tomografia computorizada (TC) permite identificar não só as lesões como observar melhor as calcificações e da gordura, ou seja, permite uma avaliação mais pormenorizada da arquitetura interna e morfologia das lesões. Assim, “a gordura é identificada em 34-50% das lesões e a calcificação em 15-30%” (Khan, et. al., 2011).
Nódulo de contornos bem definidos na língula |
Lesão no pulmão direito com um nódulo bem definido contendo gordura no seu interior |
Hamartoma gigante pulmonar. Note-se a característica calcificação em "pipoca" |
O diagnóstico definitivo é obtido por broncoscopia com biópsia do hamartoma. “A observação endoscópica geralmente revela uma lesão endobrônquica polipoide bem circunscrita, mole, de superfície lisa, regular e esbranquiçada, com ausência de sinais de infiltração da submucosa” (Almeida, et. al., 2007).
HISTOLOGIA
“Com padrão de crescimento nodular, os hamartomas são na sua maioria constituídos predominantemente por tecido cartilaginoso que está presente em 82% dos tumores endobrônquicos e em 96% dos periféricos”. Podem ainda ser encontrados os seguintes componentes (Carvalho & Matos, 2002):
· Tecido adiposo;
· Osso;
· Tecido muscular liso.
A massa cartilagínea é normalmente central rodeada pelos restantes elementos mesenquimatosos. Podem ainda identificar-se “focos de calcificação em áreas de cartilagem madura, ou de ossificação”. Em regra, observa-se “um componente epitelial, com características benignas, o que se traduz pela presença de inclusões epiteliais, profundas ou mais frequentemente à periferia da lesão, formando espaços ramificados ou quísticos” (Carvalho & Matos, 2002).
TRATAMENTO
Pelo facto de serem sintomáticos, é recomendado o tratamento dos hamartomas endobrônquicos. Assim, o tratamento tradicional consiste na toracotomia com broncotomia ou ressecção pulmonar (Almeida, et. al., 2007).
Nos últimos anos, alguns destes hamartomas foram tratados através de técnicas broncoscópicas com uma resolução completa de sintomas, o que constitui uma excelente opção. Todavia, se a lesão se estende para além da via aérea, esta técnica apenas remove a porção visível desta o que, futuramente, implique o crescimento lento da parte remanescente localizada fora do lúmen, alcançando novamente a via aérea. Por este motivo, é necessária uma reavaliação clínica, radiológica e endoscópica com alguma regularidade. Algumas das técnicas endoscópicas são (Almeida, et. al., 2007):
· Excisão através de um broncoscópio rígido – as suas vantagens são: permite aspiração de sangue com maior eficácia, ventilação do doente durante o exame e a excisão da lesão é mais fácil;
· Remoção por laser Nd:YAG – feixe de luz monocromática que induz coagulação, hemóstase e necrose tecidular; requer cuidados tendo em conta a localização anatómica e a configuração da lesão;
· Electrocirurgia de forma isolada ou associada a fotocoagulação por laser Nd:YAG – uma das vantagens é poder ser realizado em lesões distais.
Os doentes que apresentem evidência de persistência ou recorrência devem ser orientados para ressecção cirúrgica. “Assim, a ressecção endoscópica é aconselhada como tratamento inicial destes casos, em alternativa à abordagem cirúrgica, dada a eficácia terapêutica similar” (Almeida, et. al., 2007).
PROGNÓSTICO
“Os hamartomas pulmonares têm um crescimento lento mas contínuo. Podem também ser múltiplos ou recidivar. Por outro lado, a sua malignização é excepcional. No entanto, há estudos que mostram haver um risco aumentado em 6,3 a 6,6 vezes de, relativamente à população normal, os indivíduos com este tumor benigno desenvolverem carcinoma brônquico”. Assim, estes pacientes devem ser submetidos a uma completa avaliação e a um follow-up regular (Carvalho & Matos, 2002).
BIBLIOGRAFIA
- Fauci et al, Harrison – Medicina Interna, 17ª Edição;
- ALMEIDA, J.; FERREIRA, D.; MOURA E SÁ, J.; PARENTE, B. (Setembro / Outubro 2007), Ressecção Completa de Hamartomas Endobrônquicos por Técnicas Broncoscópicas, Electrocirurgia por Argon Plasma e Laser Nd-YAG. Revista Portuguesa de Pneumologia, Vol XIII Nº5;
- CARVALHO, L.; MATOS, R. (2002), Hamartomas Pulmonares. Acta Médica Portuguesa, 15: 165-168;
- KHAN, A. N et. al. (2011), Lung Hamartoma Imaging - http://emedicine.medscape.com/article/356271-overview#showall
Sem comentários:
Enviar um comentário