quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Doença de Chagas


 Na aula de Radiologia do Aparelho Digestivo Superior (esófago, estômago e duodeno), dia 15/10/2012, foi abordado numa das imagens visualizadas a Doença de Chagas. Ora, uma vez que sou portuguesa achei por bem aprofundar um pouco mais esta patologia que foi descoberta no Brasil, em 1907 por Carlos Chagas.

“A doença de Chagas constitui uma enfermidade causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, cuja transmissão se processa por meio de insetos hematófagos (triatomíneos)” (Carvalho et. al., 2002).
É assim transmitida pelas fezes eliminadas durante a picada dos vetores contaminados pelos Trypanosoma cruzi, usualmente conhecido como barbeiros,  devido à preferência pela região do rosto. Pode ainda ocorrer a transmissão por transfusão de sangue ou transplacentária que constituem os casos de infecção congénita (Fauci et al, Harrison, 17º edição).




EPIDEMIOLOGIA
A doença de Chagas afecta anualmente cerca de 8 a 10 milhões de pessoas, centrando-se nos países américo-latinos endémicos como o Brasil, onde a patologia, foi descoberta, como referido anteriormente (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
Atinge particularmente as populações rurais, cujas casas são feitas de madeira onde o parasita se aloja, constituindo deste modo um problema de saúde pública (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
Nos últimos anos, registou-se uma queda no índice de transmissão graças à implementação de programas de erradicação de vectores, substituição de habitações bem como a sensibilização da população. O Brasil declarou a eliminação da transmissão em 2006 (Fauci et al, Harrison, 17º edição).

EVOLUÇÃO CLÍNICA

1.  Fase Aguda ou Infecção Aguda
Apresenta uma duração de aproximadamente de 60 dias.
Os primeiros sinais surgem, normalmente, após uma semana da invasão do parasita. Assim, visualiza-se uma ligeira laceração da pele, denominada chagoma, com eritema e edema, acompanhado de linfadenopatia local. Se a picada for perto do olho, é frequente a existência de conjuntivite com edema da pálpebra também conhecido como sinal de Romana. Secundariamente, pode surgir uma sensação de mal estar, febre, anorexia bem como edema facial e nos membros inferiores, linfadenopatias generalizadas e hepatoesplenomegalia. Todavia, esta fase pode passar despercebida, uma vez que os seus sintomas confundem-se com outras diversas infecções (Fauci et al, Harrison, 17º edição).

2.  Fase de Latência ou Indeterminada
Não apresenta nenhuma sintomatologia relevante sob o ponto de vista clínico e pode permanecer durante vários anos. Muitos pacientes nesta fase desconhecem a sua condição de portador, transmitindo a infecção por diversos mecanismos. Além disso, o parasita continua a reproduzir-se que irá ter implicações em diversos órgãos numa fase crónica.

3.  Fase Crónica
A doença de Chagas crónica sintomática surge anos após a infecção inicial, identificando-se os seguintes sintomas / alterações nos seguintes órgãos (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
·  Coração: comprometimento cardíaco em 30% dos casos (miocardite grave), alterações do ritmo e tromboembolias com consequente cardiomegalia;
· Trato Digestivo: “alterações de motilidade do esófago e do cólon, resultando em megaesófago e megacólon endêmicos. Verifica-se aumento do diâmetro das vísceras ocas em proporção ao estádio evolutivo da afecção”. Estas transformações resultam da “destruição de células neurais do plexo mioentérico do tubo digestivo, causando distúrbios de motilidade, acalásia do esfíncter esofagiano inferior e do complexo muscular esfincteriano anal. Disfagia, regurgitação, dor esofagiana espontânea, odinofagia, pirose, obstipação intestinal, desnutrição, sialose com hipertrofia das glândulas salivares e manifestações pulmonares” são as apresentações clínicas mais frequentes relacionadas com o megaesôfago  (Carvalho et. al., 2002);
·       Cérebro: frequentemente formação de granulomas;
·       Demência: 3% dos casos.

DIAGNÓSTICO
“O diagnóstico baseia-se em exames clínico-laboratoriais e radiológicos” (Carvalho et. al., 2002).
Os exames laboratoriais procuram sobretudo detectar e isolar o parasita no organismo humano. Como tal, recorre-se a hemoculturas, xenodiagnóstico (paciente é intencionalmente picado pelo parasita não contaminado), detecção do DNA do parasita através da técnica de PCR bem como a detecção de anticorpos no sangue, entre outros mais complexos (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
Por outro lado, “os exames radiológicos baseiam-se predominantemente nas chamadas “megaformações”” (Carvalho et. al., 2002).

ACHADOS RADIOLÓGICOS
O exame radiológico constitui o método mais importante, sendo necessária avaliação dinâmica por meio de intensificador de imagem para ideal configuração norfo-funcional (Carvalho et. al., 2002).
Podemos ter diversos achados radiológicos de acordo com a localização anatómica da lesão. Serão apenas abordados os pontos 1, 2 e 3 pois foram as estruturas tratadas na aula (Carvalho et. al., 2002):
1.     Esofagopatia Chagásica;
2.     Gastropatia Chagásica;
3.     Duodenopatia Chagásica;
4.     Enteropatia Chagásica;
5.     Colopatia Chagásica.


1.   Esofagopatia Chagásica
Os diferentes padrões de apresentação morfológica levaram diversos autores a propor uma classificação baseada no estudo radiológico. Surge assim, a Classificação de Rezende, subdividida em 4 grupos (I, II, III e IV) (Carvalho et. al., 2002):
ü  Grupo 0 (OMS) – casos assintomáticos e sem retenção esofagiana ao estudo radiológico, nos quais existe certo grau de desnervação demonstrável por testes farmacológicos;
ü  Grupo I – esófago de calibre aparentemente normal ao exame radiológico (< 3,2 cm). Transito lento. Pequena retenção na radiografia tomada um minuto após a ingestão de sulfato de bário. Presença de ar acima da coluna de bário associada a lúmen completamente aberto – “prova de retenção positiva”;
ü  Grupo II – esófago com pequeno a moderado aumento do calibre. Apreciável retenção do contraste. Presença frequente de ondas terciárias, associadas ou não a hipertonia do esófago;
ü  Grupo III – esófago com grande aumento do calibre. Atividade motora reduzida. Hipotonia do esófago inferior. Grande retenção do contraste;
ü  Grupo IV – dolicomegaesófago. Esófago com grande capacidade de retenção, atónico, alongado, dobrando-se sobre a cúpula diafragmática.





Uma das imagens mais características desta patologia, sendo uma das imagens apresentadas na aula é a acalásia esofágica, no segmento distal usualmente denominada por “cauda de rato” ou “bico de pássaro”.  A sua denominação advém do afilamento cônico e simétrico deste segmentado quando observado com o meio de contraste (Carvalho et. al., 2002).


De realçar que, “a aparência de um megaesófago avançado em radiogramas simples do tórax ou com a ingestão de bário é consideravelmente similar à acalásia idiopática. Em ambas as entidades o esófago aparece como uma densidade de partes moles vertical localizada ao longo de toda a borda paramediastinal direita, em incidências frontais. Um achado usual no abdómen superior é uma bolha gástrica reduzida ou ausente, determinada pela escassa passagem de ar através da zona acalásica esofagiana” (Carvalho et. al., 2002).



2.   Gastropatia Chagásica
Fonseca e Toledo descreveram as seguintes alterações de forma, tono e motricidade gástrica (Carvalho et. al., 2002):
ü  Hipotonia;
ü  Hipoperistaltismo;
ü  Megagastria (dilatação);
ü  Esvaziamento retardado – o ritmo inicialmente na Gastropatia, encontra-se acelerado, todavia nos casos crónicos está geralmente retardado;
ü Estômago em “cascata”.




3.   Duodenopatia Chagásica
O duodeno pode apresentar, eventualmente, as seguintes alterações (Carvalho et. al., 2002):
ü  Hipotonia;
ü  Diminuição do peristaltismo;
ü  Transito retardado;
ü  Estase;
ü  Aumento do calibre;
ü  Espessamente das pregas mucosas;
ü  Megaduodeno por alterações da motricidade e estase alimentar que levam à dilatação do arco duodenal. Esta pode ser restrita apenas ao bulbo ou por outro lado abranger todo o órgão.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
            De acordo com os diferentes aspectos clínico-laboratoriais e epidemiológicos podem surgir dúvidas quanto ao correto diagnóstico da doença de Chagas.
Assim, os principais diagnósticos diferenciais no esófago são (Carvalho et. al., 2002):
ü  Presbiesófago;
ü  Esclerose Sistêmica;
ü  Tumor de fundo gástrico;
ü  Estenose de cárdia;
ü  Hérnia hiatal;
ü  Esofagite por refluxo;
ü  Compressão extrínseca;
ü  Uso de drogas anticolinérgicas.
Quanto às causas de megagastria destacam-se (Carvalho et. al., 2002):
ü  Estenose péptica antral ou bulbar;
ü  Carcinoma antral;
ü  Atonia gástrica;
ü  Obstruções em duodeno proximal.
Por fim, o diagnóstico diferencial da duodenopatia é feito com as obstruções de causas orgânicas em nível do ângulo de Treitz, com o pinçamento aórtico-mesentérico e com o megaduodeno funcional de outras etiologias (Carvalho et. al., 2002).

CONCLUSÃO
Como foi descrito existem inúmeras formas e padrões radiológicos possíveis para a apresentação da Doença de Chagas que devem ser devidamente reconhecidas para o seu correto diagnóstico, sobretudo no Brasil onde a doença ainda apresenta alguma prevalência nas zonas rurais.

BIBLIOGRAFIA
ü Fauci et al, Harrison – Medicina Interna, 17ª Edição;
ü  CARVALHO, T. N.; FIGUEIRÊDO, S. S.; DA NÓBREGA, B. B., DE SOUZA RIBEIRO, F. A., TEIXEIRA, K. S., XIMENES, C. A. (Setembro / Outubro 2002), Caracterização Radiográfica das Manifestações Esofagogastrointestinais da Doença de Chagas. Radiologia Brasileira, 35 (5): 293-297.





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