quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Fibrose Cística


No dia 22/10/2012, na passagem pela TC tórax surgiu um caso de Fibrose Cística, sendo o caso escolhido para abordar.

A Fibrose Cística é uma doença autossómica recessiva que apresenta-se com uma sintomatologia multiorgânica. É causada por uma mutação no cromossoma 7, que codifica a proteína reguladora da condução transmembrana (CFTR). A sua prevalência varia consoante a etnia da população, sendo maior na raça caucasiana - 1/2500 (Fauci et al, Harrison, 17º edição).

 “A manifestação fisiopatológica fundamental da FC é a disfunção da proteína transmembrana CFTR responsável pelo equilíbrio entre cloreto, sódio e água. A inatividade ou funcionamento parcial da CFTR reduz a excreção de cloreto para a superfície epitelial e, como mecanismo compensatório, há influxo de sódio e água para a célula de modo a manter equilíbrio hidroeléctrico” (Capone, et. al., 2011).

A nível pulmonar, a deficiência desta proteína conduz (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
·      Desidratação do muco brônquico e o aumento da sua viscosidade;
·  Anomalias reológicas que alteram o clearance muciciliar, favorecendo as infecções e bronquiectasias;
·       Diminuição da atividade das defensinas.


Sendo uma doença multisistémica, outros órgãos são afectados por este défice da CFTR, tais como (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
1.     Pancreáticas
a.     Obstrução dos canais pancreáticos pelas secreções viscosas;
b.     Insuficiência pancreática;
2.     Vias biliares
a.     Litíase;
b.     Cirrose biliar;
3.     Tubo digestivo
a.     Oclusão neonatal;
4.     Génito-urinário
a.     Obstrução dos canais deferentes;
b.     Esterilidade por azoospermia;
5.     Glândulas sudoríparas
a.     Concentração anormal de cloro no suor.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
“A maioria dos pacientes com fibrose cística apresenta sinais e sintomas da doença na infância. Cerca de 20% inicia-se nas primeiras 24h de vida com obstrução do aparelho digestivo (íleo meconial). Outros quadros comuns durante os primeiros anos de vida são os sintomas respiratórios com predomínio de tosse persistente, infiltrados pulmonares recorrentes e atraso no crescimento. Todavia, um grupo significativo de pacientes (cerca de 5%) só diagnostica a doença depois dos 18 anos” (Fauci et al, Harrison, 17º edição).

Em seguida, apresentam-se algumas das manifestações clínicas por grupo etário, ou seja, lactente, criança e adulto (Fauci et al, Harrison, 17º edição).
·       Lactente
o   Bronquites recidivantes sibilantes;
o   Tosse crónica;
o   Encharcamento brônquico (Cinesiterapia);
·       Criança
o   Tosse com expectoração;
o   Bronquites de repetição;
·       Idade adulta
o   Predomínio do sexo masculino (55-60%);
o   Atingimento respiratório é constante e condiciona o prognóstico;
o   Broncopatia crónica obstrutiva evolutiva > taxa de complicações (pneumotórax e hemoptises – 15%);
o   Colonização brônquica crónica por Pseudomonas aeruginosa (60-88%);
o   ­ Frequência de estirpes de Pseud.multirresistentes e de outras (Burkholderia cepacia; Stenotrophomonas maltophilia; etc);
o   Insuficiência respiratória (evolução);
o   Insuficiência pancreática
§  Diabetes (7-14%);
o   Intestinal
§  Síndrome de oclusão ou sub-oclusão intestinal distal;
o   Nutricionais- agravamento paralelo à insuficiência respiratória;
o   Hepático
§  Cirrose com hipertensão portal (5-10%);
§  Esteatose ; Colestase crónica; Dilatação das V.B.I.H;
o   Osteoarticulares- Artrites; osteoporose;
o   Fertilidade Esterilidade e Gravidez
§  Puberdade retardada em ambos os sexos;
§  No homem - 95% atresia ou ausência dos canais deferentes, vesículas seminais  - azoospermia;
§  Na mulher
·       Fertilidade diminuída (alteração do muco cervical);
·       Taxa de abortos espontâneos baixa -5%;
·       Interrupção médica da gravidez- 18%;
·       Prematuridade fetal - 35%;
·       Agravamento da insuficiência respiratória durante a gravidez. 

DIAGNÓSTICO
“O diagnóstico deve ser considerado em caso de indivíduos que apresentem infecções respiratórias de repetição, sinusite e bronquiectasias” (Capone, et. al., 2011). Assim, podem ser utilizados os seguintes exames (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
1.     Teste do suor (iontoforese da pilocarpina)
a.     Taxa de Cloro > 60 mEq /L
2.     Determinação da diferença de potencial nasal
a.     Diferenças de potencial entre – 40 e-70 mV (N= -20 mV)
3.     Análise genética
a.     2 mutações confirmam o diagnóstico
b.     Ausência de mutação não infirma
c.     Indicado nos inquéritos familiares (aconselhamento genético); Suspeita de mucoviscidose e formas atípicas; despiste neonatal pontual
4.     Estudo funcional respiratório
a.     Distensão com > CPT, CRF; VGIT
b.     Alterações precoces dos débitos distais (DEM 25-75) com aspecto côncavo da curva débito-volume; < VEMS e da CV
c.     Hiperreatividade brônquica em 25%
d.     Hipoxémia e dessaturação oxihemoglobínica durante as agudizações , depois ao esforço e finalmente em repouso
5.     Exame Bacteriológico da Expectoração
a.     Em geral colheitas de 3 em 3meses (Cinesiterapia), nas agudizações e pós-antibioterapia
b.    Hemophilus Influenzae; Staphylococcus aureus; Pseudomonas aeruginosa
6.     Radiologia


RADIOLOGIA 
“A radiologia é uma importante ferramenta na avaliação inicial, permanecendo como modalidade diagnóstica primária no seguimento dos pacientes” (Neves & Schuh, 2011).
“As radiografias simples do tórax podem sugerir o diagnóstico bem como surpreender as principais alterações relacionadas à doença”. Assim, consideram-se os sinais precoces (Capone, et. al., 2011):
·       Hiperinsuflação – presença de obstrução das pequenas vias áreas por muco;
·       Espessamento das paredes brônquicas nos lobos superiores, sobretudo o direito. 

Radiografia do tórax em PA evidenciando sinais precoce s de alterações brônquicas, caracterizadas pelo espessamento das paredes na base pulmonar direita.


“Com a progressão das alterações brônquicas, surgem opacidades parenquimatosas, atelectasias segmentares, linfonodomegalias hilares e acentuação das áreas de hiperinsuflação”. Os sinais de cronicidade, mais observados em adolescentes e jovens são (Capone, et. al., 2011):
·       Opacidades parenquimatosas;
·       Atelectasias;
·       Imagens areolares/císticas sugestivas de bronquiectasias saculares;
·       Pseudonodulos pulmonares;
·       Acentuação da hiperinsuflação nas bases;
·       Retificação diafragmática;
·       Hipertensão pulmonar;
·       Cor pulmonale;
·       Pneumotórax e derrame Pleural.


Radiografias do tórax em PA do mesmo paciente em intervalo de 10 anos demonstrando opacidades e sinais sugestivos de bronquiectasias predominando nos lobos superiores.


Radiografia do tórax em PA demonstrando bronquiec tasias císticas difusas, atelectasia do lobo inferior direito e pneumotórax septado na base direita.

Radiografia do tórax em PA revelando bronquiectasias difusas e pneumotórax à esquerda.


Um outro exame imagiológico que pode ser utilizado é a Tomografia Computorizada (TC). Nesta, os principais achados na fibrose cística são (Capone, et. al., 2011):
·       Bonquiectasias – são observadas em todos os pacientes em estágio avançado;
·       Espessamento da parede brônquica;
·       Atenuação em mosaico;
·       Impactação mucoide;
·       Atelectasia;
·       Consolidação;
·       Cistos e bolhas – regiões subpleurais dos lobos superiores.

“As vantagens específicas da TCAR incluem a capacidade de obter escores globais que refletem a extensão e a gravidade da doença, a medida quantitativa precisa das vias aéreas e da densidade pulmonar, a capacidade de atuar como substituto do desfecho clinicamente útil e o potencial para avaliar a resposta ao tratamento experimental” (Capone, et. al., 2011).

Tomografia computadorizada do tórax demonstrando bronquiec tasias císticas e espessamento acentuado das paredes brônquicas.



Tomografia computadorizada do tórax demonstrando espessamento das paredes brônquicas e sinais de impactação mucoide.



Tomografia computadorizada o tórax demonstrando bronquiectasias e impactação mucoide.





COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS
·       Pneumotórax – 15% (recidivante);
·       Pneumomediastino;
·       Insuficiência respiratória aguda;
·       Cor pulmonale;
·       Hemoptises (sobreinfecções);
·       Infecção por Myc. Atípica;
·       Aspergilose broncopulmonar alérgica (Aspergillus fumigatus);
·       Raras - Abcesso fúngico ou bacteriano, Aspergilose semi-invasiva;
·       Patologia Sinusal- rinosinusite crónica; polipose nasosinusal.


TRATAMENTO
“Os principais objetivos do tratamento da fibrose cística são favorecer a eliminação das secreções e controlar a infecção pulmonar, assim como proporcionar uma nutrição adequada e evitar a obstrução intestinal”. De uma forma mais específica podemos dividir o tratamento do seguinte modo (Fauci et al, Harrison, 17º edição):
·       Antibioterapia de acordo com TSA, em doses mais elevadas e com determinações dos níveis séricos  (Aminoglicosídeos) em mono ou biterapia, geralmente IV. ou em aerossol;
·       Cinesiterapia respiratória (Drenagens posturais);
·  Modificadores das secreções brônquicas - DNAaseRh (Desoxirribonuclease recombinante humana);
·       Broncodilatadores;
·       Anti-inflamatórios (corticoides; Ibuprofeno);
·       Regime hipercalórico e hiperproteico;
·       Transplantação pulmonar.